quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Touch

Toda a imensidão azul
Do enleio dos teus braços

È o que meu corpo pede:

Um toque, veludo
e seda

Um vermelho que é véu apenas

E o azul.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Dicionário de Simbolos

Destino; Filho do caos e da noite, um deus cego.

Conceitos

Das (in)certezas todas
Assaz bem-vindas
Uma disse Sartre:

Para se fazer algo não precisa ter esperança.

Mas espero.
E na espera: Aliança.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Epígrafe

Palavra, Palavra, Palavras
Substância primeira Que habita essa casa
Se parcas ou esparsasSe (in)significante o significado
Elas existenciam em nós
e vivem apenas
em ti
nada mais
.
A pretensão é não pretender.

Noturno

Cavando.
Cavucando; cavando.
Uma ínfima, minúscula coceira na ponta dos dedos da mão. Cavar. Juntas todas as vontades acumularam um desejo absurdo de cavar. Cada dedo grávido de uma intenção. Sair, abrir os olhos, veio depois, foi o segundo momento. Olhos duros, cansados, grudados como se o choro chorado por sobre ele tivessem lhe colado as pálpebras. Olhos cavos, fundos na sua fundura de fechar e não olhar. Olhos duros cavam. Não vêem porque não há luz. Não vêem porque não cavam a terra.
Mãos um tanto magras de envelhecidas. Mãos secas, descarnadas ou mumificadas, mãos puras da vida. Um simples movimento quase sem força na tampa , nem mesmo barulho faz. Foi o suficiente para iniciar a ação. Porque o silêncio só aumenta a vontade. O ritmo acelera. Tal e qual as patas de um cachorro buscando um osso no quintal vizinho. Aquelas mínimas mãos contra a tampa de madeira. Algumas unhas ficaram em troca de alguns fiapos de compensado arrancados. Já era o suficiente. A fresta se renderia à vontade das mãos. O tamanho ia aumentando, crescendo num buraco negro. Menos carne ficava nas mãos. Menos uma falange. Que importa! A vontade, o desejo não era carnal.
E uma montanha se abalava sobre ele. A terra molhada, atraída pela força da gravidade, caindo sobre o que lhe restava de um homem. Escapar. Cavar. Não sentia suas forças se esvaindo, pelo contrário, havia cada vez mais, mais força saindo do seu afã. Não tinha medo. A terra, a escuridão sufocava-o e ele só queria sair dali. Que importa o resto.
A vida resumida a cavucar. Uma minhoca saindo, se fugindo, se mesclando, transpondo o muro que há entre viver e estar vivo. Lama. Viscosa como o sangue, ácido do estômago. Milhares de pequenos habitantes, talvez um exército. Formigas, minhocas, larvas.
Tudo tão diferente do mundo que ele deseja. Tudo tão diferente das puras mãos que lhe vendiam pó. Diferente das puras e íntegras mãos que puxam a terra para baixo, tanto o mais baixo e fundo de si.
Mãos degredadas, purulentas e ulcerosas mãos do que foge. Por um momento ele olha para si. Seu pequeníssimo corpo putrefado perdeu uma das pernas, quase todos os dedos de uma mão e as vísceras fluíam naturalmente através dos orifícios criados pelos roe-dores. Já não tinha cabelos, não tinha uma mão e nem uma perna inteira. De que vale tanto ter?
Por azar, seu túmulo era protegido por uma peça de cimento. Talvez para que ele não fuja. Mas enfim ele está saindo do fundo, bem profundo em que se encontrava. Mas,...lápide à vista. Ele não desiste e começa a bater com os braços, com os ombros, bate e cava. E a massa não cede, e lá se vai uma ou meia mão. É um trabalho que exige paciência e delicadeza. Tensão, angústia, ele sente que dentro de mais algumas horas a parede vai ruir. Em algum momento ela vai abrir ao seu rosto o gosto infernal do sol invadindo suas feridas. Em nenhuma hora ele pensou em desistir....desde que sentiu a coceira nos dedos. Em nenhuma hora vacilou. Estava perto agora. O cheiro, humm, que cheiro bom!
Já não tem mão, nem antebraços, por isso usa a cabeça, a língua, os dentes poucos. Em um a dada hora, enquanto possuía uma das mãos, pegou aquela que tinha caído para usar como instrumento. Agora, na boca, o antebraço. Já se sente desesperado. Mas a perna que lhe resta treme, num esforço maior o fêmur se rompe bem na altura da virilha. Mas mesmo assim ele não pára. De repente é como se uma força desconhecida o estivesse ajudando. O cheiro continua bom, não há como falhar. Ele cava com suas longas unhas, algum animal, algo de novo está ali. O cão vê incrédulo, um vulto esfarrapado, sair daquele buraco. Cabeça com uma fenda que sai do lado esquerdo da nuca e vai até o lado oposto na testa. Nem braços, nem pernas inteiros. Mas o ser vai se arrastando com a ajuda da cabeça e dos ombros. O cão vê ele se apoiar em uma cruz de madeira, vê o vulto lançar um grito em direção ao céu e chorar.
O cachorro, estático, abaixa a cabeça e percebe-se cão novamente. Vai em direção daquele farrapo, rosnando. Morde-lhe o rosto, o que sobrou de um rosto. Destrói o resto daquilo que resolveu só por vontade mesmo, fugir da morte...
Resta para o cão a lei de Lavoisier: na natureza nada se cria, nada se perde; tudo se transforma...